Ela preparava-se para escrever,

as ideias fervilhavam-lhe na cabeça.. Mas.. por onde começar? Há tanta tempo que acumulava as coisas de que queria falar que não sabia por onde começar.É preciso saber sempre por onde começar, e tudo o que lhe vinha à cabeça eram frases soltas que lhe pareciam boas para escrever sobre um tema. O pior era começar!

Sentou-se em frente às teclas, o que também era motivo de desmotivação Tinha aprendido a descarregar palavras com a caneta e cada caneta dava-lhe uma inspiração diferente. O papel também era importante para definir como seria a sua caligrafia. Achava, às vezes, que gostava mais da maneira como a sua letra ficava desenhada no papel do que aquilo que realmente estava a escrever. Por isso era dificil que a inspiração lhe viesse em frente a um ecrân cru, branco, sem textura, sem magia, sem toque.

Esticou os dedos e concentrou-se... "agora vai ter de ser" pensou.. "estou para fazer isto há tanto tempo".. tinha que descarregar ideias no "papel", há já muito que andava a soltar ideias no ar, e a marcar para depois a sua prisão no "papel".

Começou:
"A necessidade das pessoas a que lhe dêem importancia e a minha preocupação em satisfazê-las." ....

Mas o que dizer? Como começar? Não queria parecer demasiado técnica ou coloquial, queria dar magia às palavras, deixar a sua marca no mundo duma forma... marcante.

Sacava um cigarro, acendia-o, bafava e relia o que escrevera..."Como começar?"

Realmente o seu problema maior era como começar, como por exemplo, uma conversa importante. Como dizer as palavras para não parecerem demasiado brutas e secas. No fundo queria escrever sobre aquilo que mais a atormentava. Como dizer a alguém que não queria mais demonstrar a importância pela qual suplicava?

No fundo ela também era assim, gostava que lhe demonstrassem a importância que tinha, mas tinha essa noção e repreendia-a em si mesma. Sabia que era ela que devia saber que tinha importância, mesmo que os outros não demonstrassem. Não deveria necessitar da aprovação dos outros. Mas no fundo, todos os seres humanos são um bocadinho assim, precisam que lhes mostrem que estão a ir muito bem, são inseguros, e não percebem que todos os outros o são, também.

As palavras para começar não surgiam.. Apagou o cigarro e leu o que escrevera outra vez "A necessidade das pessoas a que lhe dêem importancia e a minha preocupação em satisfazê-las" .. Era um tema apenas, um titulo .. não era um começo.

Pensava em todos as pessoas que conhecia que exacerbavam essa necessidade, e como ela agiam com elas, com a preocupação de lhes mostrar que o que faziam estava bem feito, e de como ela em segredo esperava que fizessem o mesmo por elas. Pensava em como algumas dessas pessoas correspondiam à sua espectativa e como outras faziam exactamente o contrário..

Mas as palavras para começar não vinham, e pior.. tantas outras ideias pululavam para sair, que nada tinham a ver com o tema. até que.. desistiu. Não escreveu mais nada. Mais uma vez tinha escrito apenas uma frase solta. E então pensou na sua facilidade em desistir das coisas. "se calhar também devia desistir de demonstrar importancia àqueles que imploram por ter reconhecimento".. É que às vezes cansa!

Muitas vezes se sentia cansada de dar tudo aos outros, ela era assim. Pensava tanto na necessidade dos outros, que se esquecia das suas necessidades. Ás vezes achava que ela se calhar não tinha necessidades, e por isso tentava satisfazer as necessidades dos outros para se sentir completa. Na verdade, quando lhe perguntavam o que é que ela gostava de fazer, pensava muito e acabava por responder o mesmo de sempre, "passear, ler, estar com os amigos" quando na verdade, não era bem isso que queria responder, queria antes dizer "não sei, gosto de tudo, tudo me satisfaz".

Tinha chegado aos trinta, e já se sentia pelo menos capaz de dizer aquilo de que não gostava, mas do que gostava, era-lhe completamente impossivel nomear. Ela até gostava de passear, ler e estar com os amigos, mas o que realmente lhe dava prazer era satisfazer os outros. Porém não é coisa que se diga quando se conhece uma pessoa pela primeira vez. Quando não se conhece o outro é bom manter algumas barreiras para que os outros não se aproveitem de nós. Ela tinha aprendido isso recentemente.

Conhecera um homem com quem tinha sentido pela primeira vez a liberdade de dizer tudo o que lhe vinha à cabeça. De inicio correu tudo muito bem, mas depois com o tempo percebeu que ele se aproveitava do facto de ela não gostar de sentir que poderia magoá-lo.

Essa era outra certeza que tinha, desde muito nova, e talvez uma das razões porque não sabia como começar uma conversa séria. Sabia que tinha sensibilidade para descobrir os pontos que mais podiam magoar o outro, e tinha medo que ao falar, a conversa se empolgasse de tal maneira que acabasse por dizer algo que pudesse deitar o outro abaixo. "Eu penso demasiado nos outros" pensava. Mas depois, logo chegava à conclusão que era dificil ser verdadeiramente magoada pelos os outros por palavras e talvez por isso devesse ter cuidado com os que facilmente se magoam com palavras. Eram os actos que a magoavam mais, e começava agora a perceber isso com este homem. Homem este que necessitava exarcebadamente de ter a aprovação dos outros.
Percebera isso quando se fartou de ouvi-lo dizer das coisas que já tinha feito, e das pessoas que tinha conhecido e de quão "o máximo" ela deveria achar isso. Ela não achava o máximo, aliás, pouco lhe interessava o que ele tinha feito. Ela queria saber como é que ele era no seu intimo, e tudo o que ele lhe dizia, parecia-lhe tão superficial, tão chato, que ela acabou por desistir. Percebera que sempre tinha sido assim, tentando descobrir a essencia das pessoas, quando o que as pessoas mostram é o seu enorme Ego. "As pessoas têm medo da sua essência, de a mostrar" pensou. Ás vezes as pessoas nem sequer sabem que têm uma essencia. "Se todos fossemos corajosos para a mostrar, o Mundo seria bem mais fácil" pensou.

Estava com fome, foi comer qualquer coisa, mas antes, tinha de falar disto com a amiga com quem dividia a casa, falar-lhe da ideia que tinha tido para escrever, mas ao falar, pensava que ela própria estava a demonstrar a necessidade de aprovação.."irónico heim?" Pensou.

(to be continued)

1 comentário:

  1. a tua essência é maravilhosa e por isso não precisas mesmo nada da aprovação dos outros...

    quem percebe a tua essência vai ficando na tua vida... com ou sem aprovação...

    beijo bom e abraço no coração

    s.

    p.s - é um privilégio "ler-te" em todos os sentidos! :)

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